segunda-feira, 30 de março de 2009

Quem quer ser um milionário?

É difícil entender como um filme como Quem quer ser um milionário? tenha sido tão elogiado por público e crítica, tendo arrebatado vários prêmios mundo afora. Só mesmo as diferenças culturais para explicar esse fenômeno, já que, por aqui, a recepção (pelo menos por parte da crítica) não foi tão boa assim. Boa parte do público, entretanto, gostou de ver mais essa exploração de clichês reciclados e devidamente aclimatados.

Levando às telas a história de um garoto indiano prestes a se tornar um milionário por meio da participação em um concurso no melhor estilo “show do milhão”, Danny Boyle, o diretor superestimado de Transpoitting, não consegue impor um filme à altura de seu argumento. Para nós, latinoamericanos, não é surpresa nenhuma ver meninos tendo de se virar para comer o pão – quase negado – de cada dia ou favelas com esgoto a céu aberto e lixo até onde a vista alcança, mas parece haver, lá fora, um fetiche por pobreza (basta lembrar que na favela da Rocinha há excursões ao alto do morro para turistas deslumbrados com as vielas da maior favela da América Latina). Talvez isso explique em parte o sucesso do filme em outras terras. Boyle parece não desenvolver a contento nenhum dos personagens de Quem quer ser um milionário?, fazendo-os marionetes sem nenhum traço de ambiguidade ou complexidade, ante um roteiro repleto de clichês que quer ser inovador e catártico.

A historinha de amor que perpassa o filme não tem a profundidade que a tornaria mais humana e interessante, resumindo-se a diálogos tolos e a uma superficialidade de dar pena. Entretanto, se Quem que ser um milionário? é incipiente com relação ao desenvolvimento dos seus personagens o mesmo não pode ser dito dos atores mirins, que são responsáveis pelos melhores momentos do filme e sustentam a fragmentada narrativa com carisma e boas atuações. Mérito também para a trilha sonora, recheada de deliciosa música indiana e que combina perfeitamente com a fotografia de Dod Mantle e com a montagem ágil de Chris Dickens. Um filme muito eficiente em termos comerciais, mas um tanto capenga pelo viés narrativo.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Por que o BBB é uma merda?

Darei um tempo no cinema para dedicar as próximas linhas a um assunto que me irrita bastante. Exporei minha opinião sobre esse lixo da TV brasileira que atende pelo nome de BBB. A ideia do programa surgiu com John de Mol em 1999, que emprestou o nome Big Brother do livro 1984, de George Orwell. A princípio parecia até ser uma boa ideia: colocar em uma mesma casa várias pessoas comuns para analisar o comportamento delas ante à pressão do privamento de contatos com o mundo exterior. Uma experiência parecida foi conduzida em 1971 pelo psicólogo Philip Zimbardo, chamada de “A experiência de Stanford”, em que 19 homens seriam selecionados entre guardas e presidiários numa espécie de prisão construída nos fundos da faculdade, visando ao estudo dos efeitos psicológicos numa cadeia. Esse evento foi retratado no filme alemão Das experiment, de 2001. Mas e o BBB, visa a que?

De fato, é aí que reside o grande problema do programa: é uma espécie de parque de diversões para voyeurismo, nada mais. Não sei como a “atração” é conduzida nos outros países em que é produzida, mas a versão brasileira, desde o início, é um desfile de imbecilidades e diálogos da profundidade de um pires. Gente que quer aparecer a todo custo, submetendo-se a quase tudo, em busca de fama não por meio de algum talento artístico (embora alguns possam até ter mesmo), mas muito mais pela superexposição, que cria uma enxurrada de “celebridades” sem nada a oferecer a não ser peitos, bundas... e chatice! E ainda há uma Rede Globo, que força a barra para transformar alguns em atrizes, apresentadores do “cansástico”... Exemplos não faltam de personagens desinteressantes que não servem nem como entretenimento pueril, que dirá para se tentar fazer qualquer análise sociológica ou comportamental. Será que quando de Mol idealizou o programa ele tinha noção de quanta imbelicidade estava por vir?

Já que o blog serve, entre outras coisas, para postar dicas de filmes, por que não indicar também alguns programas do tipo reality show que não têm a idiotice que se vê num BBB? O People & Arts exibe alguns, o Discovery Channel, outros. Um que achei bem interessante é o “10 anos mais jovem”, no qual uma pessoa é escolhida para passar por um “upgrade” na aparência e no guarda-roupa. “Perder para ganhar”, do Discovery Home and Health, é outro exemplo que vale a pena ser conferido. Gosto de "O Aprendiz", mas é hilário ver Roberto Justus tentando se passar por Donald Trump na versão brasileira! Enfim, há diversas opções na TV paga, mas também na TV aberta: ver "Super Nanny" ou "Dr. Hollywood" é infinitamente melhor do que se desgastar vendo aquelas discussões tolas dos idiotas do BBB. Aliás, ver qualquer coisa é melhor do que ver essa merda!

segunda-feira, 9 de março de 2009

Dicas de filmes: thrillers de suspense

Muitos filmes, principalmente thrillers de suspense, caem no esquecimento por motivos que, às vezes, fogem do nosso entendimento. Citaria aqui pelo menos cinco ótimos exemplos desse gênero (postarei mais depois): Malícia, de 1993, A farsa, de 1988, Face a face com o inimigo, de 1992, Sob a sombra do mal, de 1990 e, mais recente, Vidas em jogo, de 1997.
Todos exemplos vívidos de roteiros que mais se valem de uma história bem contada do que de reviravoltas sem sentido, que não têm razão de ser dentro da narrativa além de uma mera tentativa de fazer algo diferente do que já se fez. Essa característica, inclusive, está muito presente em alguns dos mais recentes produtos que Hollywood tem lançado goela abaixo de incautos espectadores.

Melhor mesmo é fazer uma coleta de informações para chegar a esses filmes injustamente esquecidos por grande parte dos que gostam de cinema, para ter agradáveis surpresas (desde que você não seja daqueles que tenham aversão a filmes mais antigos!). No Orkut há uma comunidade boa para isso, chamada “filmes que ninguém se lembra”. As pessoas da comunidade conhecem muitos desses filmes, ajudando bastante na lembrança dos nomes e até mesmo em como fazer para baixá-los nos variados softwares de download disponíveis na rede.

Vidas em jogo e Face a face com o inimigo estão disponíveis em DVD, sendo, por isso, mais fáceis de encontrar; os demais eu ainda não encontrei nesse formato, mas é possível baixar pela internet, desde que você saiba o título original da obra. Para ajudar, trago essa e outras informações por meio de links que encontrei na internet:

Malícia:
http://www.adorocinema.com/filmes/malicia/malicia.asp

Sob a sombra do mal:
http://www.adorocinema.com/filmes/sob-a-sombra-do-mal/sob-a-sombra-do-mal.asp

Vidas em jogo:
http://www.adorocinema.com/filmes/vidas-em-jogo/vidas-em-jogo.asp

Face a face com o inimigo:
http://www.2001video.com.br/detalhes_produto_extra_dvd.asp?produto=11751

A farsa:
http://cineminha.uol.com.br/filme.cfm?id=75210

sexta-feira, 6 de março de 2009

Cinema: dos primórdios ao diálogo com a literatura

O cinema, entre a invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumiére e os dias de hoje, apresentou especificidades que o tornaram uma arte autônoma, capaz de influenciar e dialogar com outras artes, entre elas com a literatura. Depois do início com um registro puramente documental, que não tinha nenhuma preocupação estética nem antropológica, o cinema tem um primeiro uso artístico por meio dos irmãos Auguste Marie e Louis Lumiére, com o filme A chegada do trem na estação, realizado em 1896. O filme produziu pela primeira vez um efeito catártico, saindo da mera documentação e inaugurando uma nova concepção de cinema. Com Viagem à lua, de 1902, Georges Méliès utiliza a trucagem, sopreposição de imagens jamais vista, a qual influenciará outros cineastas, como Einseistein, autor que teorizaria posteriormente a montagem no cinema e a utilizaria de forma absolutamente inovadora em O encouraçado Potemkin, de 1925.

Entretanto, a primeira aproximação entre cinema e literatura será com D. W. Griffith no seu O nascimento de uma nação, de 1915, com o autor buscando um modelo de narrativa na literatura tradicional do século XIX. Segue-se um momento de criatividade no cinema com o surgimento de movimentos como o expressionismo alemão e o surrealismo.
A Nouvelle Vague é um movimento de vanguarda, lançado em 1958, relevante nessa trajetória do firmamento do cinema como arte autônoma, pois propõe um momento de ruptura com um cinema tradicional, que se firma notadamente nos Estados Unidos, denominado cinema clássico, o qual utiliza uma estrutura linear, com eventos que se autoexplicam. Não mais há a preocupação de representar o real, mas sim uma tentativa se instaurar um modo metalinguístico de fazer cinema.

Apesar de os preceitos da Nouvelle Vague já se encontrarem cristalizados numa certa literatura, o movimento será importante ao propor uma política de autores, permitindo assim maior liberdade criativa e diminuindo um pouco o descompasso entre literatura e cinema, já que este se baseou num modo tradicional daquela num primeiro momento, não podendo, o cinema, em dado momento de sua história, acompanhar alguns movimentos de vanguarda da literatura. Surge, então, o cinema autoral, trazendo complexidade a uma linguagem que até então se resumia ao modelo tradicional, engessado pela época da política dos grandes estúdios.

Todo esse conjunto de avanços utilizados nos filmes, facilitado em parte pelos avanços tecnológicos percebidos na primeira metade do século XX, propiciou que a arte cinematográfica desenvolvesse características próprias, como o uso singular da montagem, a velocidade (apreendendo a velocidade típica do século XX), a simultaneidade, consolidando-se como uma arte espacial. Autores da literatura, então, percebendo tal desenvolvimento, foram se apropriando de aspectos próprios do cinema, como Oswald de Andrade, no poema Hípica, no qual se pode perceber aspectos como descontinuidade, utilização de recortes e movimento. O conto Todos os Fogos, o Fogo, de Julio Cortazar, de 1964, faz uso de um tipo de encadeamento da história inspirado na montagem do cinema, além de trazer claras referências a uma luta de gladiadores realizada por Stanley Kubrick no filme Spartacus, de 1960, o que sinaliza a intertextualidade em obras literárias.

Depreende-se, portanto, que, devido aos elementos próprios os quais o cinema desenvolveu ao longo da inovação de seus realizadores e fundamentação de teóricos, as relações mantidas notadamente com a literatura sofreram grande impacto. Se num primeiro momento o cinema foi buscar na literatura tradicional um modelo de narrativa, será a literatura posteriormente a buscar no cinema um meio de se expressar, afetando o modus operandi desta, apesar de a arte cinematográfica continuar buscando, por vezes, na literatura modos de se contar uma história.

Tempo de glória

Um épico grandioso

A Guerra da Secessão foi um dos episódios mais sangrentos da história dos Estados Unidos. Norte e sul, com interesses conflitantes, digladiam-se pela soberania daquela jovem nação. Avanços industriais e escravos eram os principais motes para o conflito armado.

Tempo de glória traz esse panorama conturbado, época em que os combates eram realizados em sua maioria no corpo a corpo, aumentando a brutalidade da guerra. Baseado em fatos verídicos, o filme traz a história do Coronel dos Estados da União Robert Gould Shaw (Matthew Broderick), jovem de família rica de Boston que é encarregado, pelos seus superiores, dentre os quais seu próprio pai, de comandar o 54º Regimento de Infantaria, naquele que viria a ser conhecido como o primeiro regimento composto por negros na história do exército americano. Coronel Shaw, em princípio relutante, decide abraçar a difícil missão, num contexto em que os negros eram considerados (pelos estados do sul) nada mais do que mercadorias, mas em contrapartida homens muito temidos pela bravura e pela força física. O novo regimento começa a enfrentar problemas, mas não com os inimigos sulistas e sim com aqueles que tentariam evitar a todo custo a organização de exércitos compostos por “pessoas de cor”, fazendo com que o moral dos soldados baixasse, já que ficavam apenas no recrutamento militar, sem previsão para entrarem em combates reais. Mas uma manobra de Shaw mudaria definitivamente a vida daqueles homens.

A competência de Edward Zwick na direção é evidente, e a película tem um nível de realização superior, com o máximo grau de realismo nas cenas de batalhas. Funciona como registro histórico, ao mesmo tempo em que se trata de um filme de guerra da melhor qualidade. Nesse gênero, aliás, os americanos são mesmo imbatíveis – pelo menos quando deixam o ufanismo e a pretensão exacerbada de lado –, pois dispõem de recursos para realizações desse vulto, contam com um time de atores de primeira linha e dominam técnicas de roteirização e direção que, por vezes, são imitadas mundo afora. A união dos negros, retratada na cena em que os soldados cantam em oração em torno de uma fogueira, horas antes de a maioria encontrar a morte na batalha pelo Forte Wagner, sequência final do filme, é uma cena forte, poética até, que espelha a honra e a força daqueles que seriam, a partir dali, figuras constantes nas forças armadas americanas.

Santos ou soldados

Um achado!

Lançado em meio a um turbilhão de produções milionárias de filmes de guerra, este Santos ou Soldados é um achado. Tendo como mote um evento isolado ocorrido na 2ª guerra mundial, a produção (que foi lançada no Brasil direto para vídeo) traz a história de uns poucos soldados americanos refugiados no meio de uma floresta na Bélgica, depois de escaparem por sorte de um fuzilamento alemão, no rigoroso inverno europeu.

O filme passa longe do que habitualmente se vê nas produções do gênero e dispensa heroísmos, atendo-se unicamente à construção psicológica dos personagens, sem julgamento de valor, o que é algo louvável. O lado alemão também é mostrado com imparcialidade, e a surpreendente amizade de um americano com um componente da wermatch comprova a tese de que não é necessária muita pirotecnia para se construir um belo e comovente filme de guerra, produto que chega a ser raro nesses tempos de avalanche de blockbusters que tentam se passar por autênticos exemplos do gênero em questão.

Platoon

Longe do maniqueísmo que costuma infestar os filmes de guerra – notadamente, os filmes americanos – Platoon descortina o lado mais cruel de todo conflito armado: a transformação de pessoas comuns em máquinas de matar, levando o instinto de sobrevivência ao extremo.

Chris Taylor (Charlie Sheen) é um jovem de família abastada, que vê na possibilidade de alistar-se no exército a chance de ir pra guerra e lá deixar de ser um falso ser humano, dando sua contribuição para a pátria. Tal afirmativa poderia até virar uma proclamação de ufanismo, mas aqui não é isso o que acontece devido ao brilhantismo do aclamado roteiro de Oliver Stone, que não dá margem a patriotismos idiotas e vazios. No Vietnam, Chris sente o peso de participar de um teatro de horrores, que o faz, aos poucos, ir perdendo não só as forças, como também a sua própria sanidade (pelas palavras do próprio personagem, em cartas enviadas a sua avó), mas em contrapartida o endurece a ponto de mandar às favas quase todas as suas preocupações.
Adquirindo experiência, o jovem soldado toma dimensão do tamanho da complexidade das relações humanas, uma vez que o próprio pelotão está dividido entre os homens do Sargento Barnes (Tom Berenger, fantástico), grupo de soldados para os quais a guerra não passa de uma carnificina, contra os homens do Sargento Elias (Willem Dafoe, também em inspirada atuação), estes com um lado mais humano a oferecer, numa rixa que, segundo o próprio Chris, colaborou para a derrocada daquele grupamento: "o inimigo éramos nós mesmos".

Stone baseou-se na sua própria experiência no campo de batalha para contar as agruras de uma surra homérica que os Estados Unidos levaram em solo vietnamita, resultando na mais fragorosa derrota durante a guerra fria, sintetizada nas palavras proféticas do Sargento Elias: “perderemos essa guerra, pois subjugamos os povos por tanto tempo que está na hora de sermos subjugados”. Um filme definitivo sobre uma guerra que abalou e mobilizou toda uma geração.

Transformers

Um dos piores filmes a que assisti ultimamente foi Transformers. Repleto de efeitos especiais mirabolantes, descamba para um sem-número de situações de combate que deixam o espectador atordoado em alguns momentos, com vários cortes rápidos. Deve interessar somente aos viciados em jogos eletrônicos e fãs de alta tecnologia, já que faz um uso perfeito dos recursos de que dispõe. Simplesmente não é possível seguir um raciocínio aceitável em meio a tanta bagunça. E isso que esse filme essencialmente é: uma completa e insuportável bagunça.

Transformers carece de um roteiro que nos guie, pelo menos, a um bom desenvolvimento do raciocínio, e também de personagens mais bem desenvolvidos para sustentar um enredo que peca pelo mania de grandeza de seu diretor. Não vou nem citar a atuação dos personagens humanos, pois seria mesmo uma perda de tempo. Méritos somente para alguns aspectos técnicos, como a edição de som, que inclusive foi indicada ao Oscar.

A sensação que fica é a de ter perdido 144 minutos da sua vida. Isso é que dá Michel Bay nadando no dinheiro: algo parecido ocorreu em A ilha, outra bomba do diretor, notabilizado pelo esforço que sempre tenta fazer em chamar a atenção mediante explosões e tiros, expostos à exaustão. Desta feita, ele torrou 147 milhões de dólares, na certa oriundos da publicidade maciça que é vista ao longo desse filme chato, longo e desnecessário.

Adrenalina

Jason Statham está se especializando num tipo de papel: o musculoso arrasa-quarteirão aparentemente indestrutível. Nada contra alguém escolher esse caminho, afinal precisamos de filmes como esse Adrenalina para descontrair um pouco. É o cinema na sua forma mais descompromissada. Além disso, o ator inglês tem o jeitão perfeito para fazer o tipo mencionado, o que torna o filme bem interessante.

Aqui, Statham é Chev Chelios, um assassino profissional que recebe uma injeção de uma “parada chinesa” da pesada, injetada por um de seus inimigos depois que Chev fora nocauteado pela gangue. A tal toxina cria uma situação no organismo do cara que o obriga a manter uma taxa alta de adrenalina, caso contrário é morte na certa por parada cardíaca. Tem-se início então uma um alucinado jogo de gato e rato, com o protagonista encontrando os meios mais variados para manter o coração acelerado – e arrebentar de vez seu algoz –, incluindo até mesmo sexo em público com sua namoradinha.

O mais interessante é que o filme em nenhum momento parece se levar muito a sério, funcionando como mero entretenimento, com várias cenas de humor negro e um bandido-herói-doidão-devidamente-bombado e disposto a tudo para atingir seu objetivo, embalado por uma trilha sonora também eletrizante, assim como o louco Chev. Não poderia deixar de faltar um final apoteótico para nos deixar com um sorriso grande no rosto assim que os créditos começam a subir.

Mar aberto

Terror que vem do mar

Sempre gostei de filmes que, a partir de um argumento simples, conseguem nos colocar frente a frente com os nossos mais indesejados sentimentos, tirando-nos da nossa zona de conforto. Pois é exatamente o que ocorre em Mar aberto. Baseado (verdadeiramente) em fatos reais, o filme trabalha a tensão de um casal esquecido em alto mar ao saírem para mergulho próximo à grande barreira de corais australiana.

Depois de um erro na contagem dos turistas, o barco parte sem a dupla, que ainda estava submersa. Após a infeliz constatação de que a embarcação não está mais no local, o casal começa a passar pelo mais temido pesadelo de todos que praticam mergulho: ser esquecido em uma área infestada de tubarões! O que se segue é pouco mais de uma hora de pânico e sofrimento em que é perfeitamente possível a identificação com os personagens, graças à escolha acertada do diretor Chris Kentis (autor também da fotografia e da edição) ao escalar atores desconhecidos para os papéis principais. O uso de câmera digital confere realismo às imagens, ao mesmo tempo em que favorece essa proximidade do expectador com o casal.

Merece destaque ainda a sequência noturna, em que só podemos realmente saber o que está acontecendo pela claridade dos relâmpagos (pode-se enxergar a silhueta dos tubarões rodeando o casal). Trata-se de uma bela obra de suspense que surpreende não só pela tensão das suas sequências, mas também pela incrível capacidade que tem em nos fazer sentir o desespero da dupla que sofreu esse terrível acidente.

O massacre da serra elétrica/A profecia

O "terror" das refilmagens

Assisti a duas refilmagens há pouco: A profecia e O massacre da serra elétrica. Vamos começar pelo pior. O massacre, 1974, é um filme de terror mediano que fez relativo sucesso na época de seu lançamento. Apenas esse aspecto já dispensaria uma refilmagem, mas não só refilmaram como também fizeram o favor de rodar O massacre da serra elétrica, o início! Bem, a refilmagem – realizada em 2003 – é um desfile de clichês e de corpos sarados (chega a ser hilário o esforço de mostrar os dotes físicos de Jessica Biel, com ângulos desconcertantes que me fizeram lembrar da finada “banheira do gugu”). O roteiro inexiste, como no também horrível O grito. Completa o menu um elenco de atores canastrões, em que pode ser visto R. Lee Ermey, o sargento Hartman de Nascido para Matar, certamente pagando algumas contas em atraso.

Como falar de um filme tão ruim é tarefa muito árdua, passemos à outra refilmagem decepcionante – mas não tão fraca quanto a de Massacre. A Profecia (1976) foi um dos filmes de terror mais assustadores de todos os tempos. Pontuada pela trilha sonora sufocante de Jerry Goldsmith – premiada com o Oscar –, e pela atuação soberba do garoto Harvey Stephens, a película tornou-se um clássico do gênero, arrebatando admiradores fiéis. A refilmagem, no entanto, – apesar da louvável tentativa de festejar os 30 anos de lançamento do original – deixa muito a desejar, pois não tem o mesmo clima soturno do filme de Richard Donner, apesar de ser correto em alguns momentos. Mas o filme não vai além: é apenas correto. O novo Damien, interpretado pelo garoto Seamus Davey-Fitzpatrick, não dá conta do recado, sendo até mesmo mecânico em várias passagens e naufragando com o restante do elenco. Para quem não viu esses filmes, uma dica: assista apenas aos originais e esqueça as duas refilmagens, que são completamente desnecessárias.

Notícias de uma guerra particular

Desde a explosão do fenômeno Tropa de elite, as atenções se voltaram novamente para um ótimo documentário. O motivo é simples: o personagem Capitão Nascimento, de Tropa, é baseado no Capitão Pimentel, policial do BOPE entrevistado em Notícias de uma guerra particular, documentário de 1999 dirigido por João Moreira Salles e Kátia Lund. O filme é um amplo e contundente retrato da violência no Rio de Janeiro e mescla depoimentos do policial, do traficante e do morador do morro. Não faz apologia de nada, nem fica do lado de ninguém, apenas escancara a situação social do Rio de Janeiro que – apesar de o filme já ter oito anos – continua a mesma. É um filme obrigatório para quem viu e gostou de Tropa de elite. Uma curiosidade: Notícias está sendo distribuído nos camelôs sob a alcunha de Tropa de elite 2, em mais uma jogada de “marketing” do comércio ilegal de filmes.

A teta e a lua

Sobre tetas e luas

Numa homenagem à maternidade (e às tetas das mães, é claro) A teta e a lua é um filme nada convencional, mas que descamba para o pastelão em muitos momentos. A teta da bela Estrelitta, uma forasteira que mora com o marido num trailler, é o objeto de desejo do garoto Tete, pois seu irmão mais novo já está mamando na sua mãe, algo negado para ele, desde quando era bebê. Sendo assim, ele passa a desejar ardentemente aquela teta, ávido por sugar de forma vigorosa seu leite. O filme tenta ser uma metáfora do amor quase impossível que sente um jovem cantante, de nome Miguel, que também se apaixona por Estrelitta, ao ficar elétrico quando a toca pela primeira vez, e do amor da forasteira pelo seu marido, um homem bizarro, cuja principal vocação é emitir sonoras flatulências em seu ridículo número circense, para delírio do público (e para tesão da sua mulher). Mas o marido está brochando e é a chance que o garoto cantante tem para sacramentar seu intento.

O filme derrapa ao mostrar-se incipiente com relação ao destino de seus personagens, ao mesmo tempo em que exagera na bizarrice de alguns deles, ficando entre a construção psicológica mais detalhada das pessoas que compõem o círculo de desejo e a mera escatologia, com um humor de gosto duvidoso na maioria das vezes. Tudo isso acompanhado de um final um tanto boboca, na base do happy end das produções americanas mais baratas. Essas características fazem de A teta e a lua um desfile de esquisitices, tornando o filme até certo ponto dispensável, apesar de divertido em alguns momentos.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Norbit

O disparate de Eddie Murphy

Eddie Murphy já teve dias melhores. Não só porque Norbit é uma tentativa fracassada de reviver os bons tempos em Um príncipe em Nova York e na refilmagem de 1996 de O professor aloprado (filmes em que ele interpreta vários personagens), mas também pelo fato de o ator teimar em aparecer. Só isso explica a concepção de um filme desses.

O problema é que Murphy insiste na fórmula desgastada de executar inúmeros papéis ao mesmo tempo, o que foi engraçado antes, mas agora parecendo já terem se esgotado as possibilidades. Atacando novamente sob essa premissa, o ator nos brinda com a nova bomba, filme com uma inquestionável qualidade de efeitos visuais, principalmente do trabalho de maquiagem, mas com um roteiro clichê do início ao fim, recheado de piadas sem graça e preconceituosas. Está mesmo difícil rir ultimamente, pelo menos assistindo a essas recentes comédias, que em sua maioria exploram personagens com deficiências físicas, abobalhados, obesos, que emitem sonoras flatulências entre outros temas de mau gosto, de forma até mesmo irresponsável em alguns casos. Esse é o buraco em que se meteu a comédia americana nos últimos dez anos.

Se não chega ao fundo do poço, como o constrangedor O pequenino (outra lástima dessa nova leva de invencionices e de falta de capacidade para o cinema de diretores e roteiristas que estariam melhor fazendo outra coisa), a nova pérola de Eddie Murphy está longe de ser uma comédia admirável, pois são escassos os momentos realmente hilários, que se restringem a algumas aparições de Rasputia, a enorme esposa de Norbit (personagem-título que tem o estereótipo do marido boboca, dominado pela mulher controladora). Personagens estereotipados, aliás, não faltam nesse filme: há o chinês boca-suja e rude, o panaca que só se dá mal e no final decide não mais ser passado para trás, a ex-namoradinha-boazinha-magrinha-que-é-um-doce, o grupo de marmanjos mal encarados e trambiqueiros e por aí vai...

Diferentemente do que se vê em O amor é cego, no qual o preconceito está em alguns personagens, em Norbit este é geral. Ataca-se a obesidade, mas também as diferenças étnicas e culturais, além de haver uma glamorização da magreza excessiva: só é seguro quem está dentro do perfil idealizado pelo protagonista. Os realizadores parecem se esquecer de que essa forma de humor é perigosa, principalmente porque, em geral, tais produções não sofrem restrição de censura, tornando-se acessíveis a crianças e incutindo nelas todo tipo de preconceito, por baixo da roupagem de uma simples comédia, de um programa inofensivo de final de tarde.

Sai a sutileza, entra o grotesco; sai a criatividade, entra a repetição. A comédia americana é um gênero em franca decadência. Porcarias como esse Norbit e outras como Cara, cadê meu carro?, Recém-casados, Hitch, A sogra, Eu os declaro marido e... Larry, Matadores de velhinhas, Minha super ex-namorada, Vovó...zona, Duplex além de mais um sem-número de lixos indicam essa tendência, tornando a comédia um gênero menor, algo que não merece a mínima atenção, mesmo daqueles que estão interessados apenas em entretenimento pueril.

O sol tornará a brilhar

Adaptado da famosa peça de teatro de Lorraine Hansberry, autora também do roteiro, O sol tornará a brilhar (A raisin in the sun, EUA, 1961) é mais uma das incontáveis provas do superior talento de Sidney Poitier.

Poitier, com sua presença magnética, interpreta Walter Lee, filho da senhora Younger, um personagem ressentido pela sua condição de chofer e amargo pelo fato de se sentir injustiçado num mundo em que o dinheiro, cada vez mais, dita a conduta das pessoas. Um homem com um lado humano, entretanto, que tenta persuadir sua esposa e sua mãe a investir o dinheiro do seguro da morte do pai na abertura de um bar (vislumbrando um futuro melhor para sua família), mas tem seu discurso enfraquecido pela negativa da mãe – que se recusa a investir em um negócio sujo, segundo seus preceitos religiosos. Ela adquire uma casa com o montante e intenta utilizar o resto do dinheiro no curso de medicina da irmã mais nova de Walter. Mas a residência situa-se em um bairro de maioria branca, o que inaugurará outro problema que a família terá de enfrentar rumo à conquista do sonho americano e que aparece como principal abordagem do filme: o preconceito, que, à época retratada, tinha um caráter muito mais nefasto do que atualmente (basta lembrar que, mais de quarenta anos depois, um negro assumiria a Casa Branca). E é nesse embate família negra versus preconceito que reside o elemento dramático mais importante do filme, e a partir do qual será, também, construída a dicotomia do personagem de Poitier, que, uma vez mais ao longo das suas ações, oscila entre o poder sedutor do dinheiro e o apego às tradições.

Com uma câmera estática na maioria das sequências internas no apartamento da família Younger, o diretor Daniel Petrie consegue transpor os conflitos familiares – e as angústias e desejos dos personagens – de um modo profundo, apostando na capacidade artística do elenco ao utilizar longos planos-sequência, com destaque para os diálogos entre mãe e filho, travados por Poitier e McNell. Para além de um filme, O sol é um palco que consagra o talento de uma geração de grandes atores negros americanos, que construindo personagens à luz de temas espinhosos como o preconceito destacaram-se no cenário da arte da interpretação, servindo de referência maior para outros grandes nomes como Richard Roundtree, Denzel Washington, Pam Grier, Samuel L. Jackson, Morgan Freeman, Hale Berry, Spike Lee, Angela Bassett etc.

No calor da noite

O grande vencedor do Oscar de 1967

No calor da noite começa com uma grande ironia: na chegada do detetive Virgill Tibbs (Sidney Poitier) numa estação de trem, é possível ler um aviso que diz: “você está chegando na cidade de Sparta, seja bem-vindo”. Os eventos que se sucedem irão demonstrar o quão inadequado pode ser um cartaz de boas-vindas.

Em uma cidade em que não acontece quase nada, o policial Wood faz uma ronda noturna de rotina, quando é surpreendido pela presença de um homem caído no meio da rua, aparentemente desmaiado. O pior se confirma segundos depois, no momento em que o policial percebe que o tal homem está morto; e se complica ainda mais quando o médico vai ao local e confirma a identidade dele: trata-se de Colbert, um engenheiro que viera de Chicago construir uma fábrica, empreendimento mais importante que a cidade de Sparta jamais teve. Segue-se a perseguição imediata ao assassino, momento no qual o policial Wood encontra o detetive Virgill na estação, esperando o trem para voltar para casa (havia ido visitar a mãe dele). Um negro, às 4 da manhã, em uma estação de trem, com bastante dinheiro no bolso? Só pode ser o assassino, calcula de forma quase automática o policial Wood. Conduzido à delegacia, Virgill é interrogado pelo chefe de polícia, o estourado Gillespie (Rod Steiger), que logo lhe afirma: “se você contar como matou o senhor Colbert, se sentirá muito melhor, garoto”. Qual não foi a surpresa do chefe de polícia quando Tibbs revela que é um policial de passagem pela cidade? Mas situação mais constrangedora ainda ele passa quando o chefe de Tibbs, por telefone, ordena o detetive que ajude os policiais de Sparta na investigação do assassinato, já que ele é “seu melhor perito em homicídios”.

A incompetência da polícia de Sparta – revelada por várias situações contrangedoras que vão de prisões sem provas suficientes e policiais notadamente estúpidos até um portãozinho que não abre – contrasta com a capacidade de Tibbs em solucionar um caso que, certamente, colocaria o homem errado atrás das grades. Jamais um negro ousara tanto naquela cidade mergulhada, talvez por razões históricas, num sentimento racista que se estende a todos. Mas Tibbs, posteriormente, acaba mostrando também seu lado negro (com perdão do trocadilho cretino), ao desejar, nas suas palavras, “arrancar aquele chefão da sua colina”, referindo-se ao homem branco mais poderoso da cidade e principal suspeito do crime. “Nossa, você é igual a todos nós”, dispara o chefe de polícia Gillespie a Tibbs, colocando-o no mesmo patamar mesquinho da maioria dos moradores de Sparta. À medida que a investigação toma corpo, entretanto, os dois policiais passam a se respeitar mais, descobrindo qualidades um no outro: Gillespie reconhecendo a inteligência de um homem que, a princípio, teria condições apenas de trabalhar nos campos de algodão, como todos os negros da sua cidade, enquanto Tibbs percebe o profissionalismo e a dedicação do chefe de polícia.

Pontuado por diálogos afiados, que dizem muito de seus personagens, e por uma trilha sonora blackspoitation de Quincy Jones (que confere as doses de ação e suspense na medida certa), o filme não se furta a colocar o dedo na ferida, mas não usa o mote do racismo de um modo panfletário. O preconceito corre como pano de fundo na solução de um caso de assassinato narrado com exemplar eficiência pelo roteiro de Stirling Silliphant, e com direção segura de Norman Jewinson, unindo no mesmo produto qualidade cinematográfica e crítica social. O grande vencedor do Oscar de 1967 é item obrigatório na filmoteca de qualquer cinéfilo.

U-571

Bem versus mal?

O que mais incomoda neste U-571 é a tentativa de separar os homens bons dos homens maus. Creio que seria desnecessário apontar tantas virtudes dos aliados (leia-se, americanos) e tanta tirania do lado de lá. Não precisava ser assim. Com qualidade técnica invejável (vencedora do Oscar de melhor edição de som) e com um bom argumento, o filme acaba, entretanto, soando mais como uma grande mentira ao tentar retratar um episódio da II Guerra Mundial, a história da Enigma – a máquina de criptografia utilizada pelos alemães para comunicação sigilosa. Fatos históricos são deturpados em favor da construção do roteiro, que se sustenta, primordialmente, na qualidade técnica empregada.

O Tenente Tyler (Mathew Mcconaghey) é um competente oficial da marinha americana que pretende um dia ser comandante de submarino. No seu caminho, porém, está o Capitão Dahlgren (Bill Paxton) que rejeita o pedido do Tenente de comandar o submarino S-33. Mas a guerra não caminha para um lado positivo para os aliados, que decidem agir em missão ultra-secreta, mediante incursão perigosíssima, uma penetração estilo “cavalo de tróia”, para tentar por as mãos em uma Enigma, decifrando os códigos alemães, o que poderia mudar os rumos da guerra. É a chance que o Tenente tem para provar que é apto a ser comandante, uma vez que o Capitão morre durante a operação.

Mais uma vez estamos às voltas com o famigerado pretexto americano de que os aliados eram caras legais e gente fina, e os alemães a escória da humanidade. Não se trata de fazer uma apologia ao nazismo. O que deve ser levado em conta, nesses casos, é a questão de que é possível, sim, realizar um grande filme sem apelar para patriotismos exagerados e demonstrações de maldade extrema por parte dos inimigos. A cena em que os alemães fuzilam refugiados em um bote, por exemplo, é totalmente descartável. À parte desses equívocos, o diretor Jonathan Mostow, que também assina o roteiro, conseguiu realizar excelentes cenas de batalhas subaquáticas, que tornam o filme atraente para os apreciadores do gênero.

O resgate do soldado Ryan

O brilhantismo técnico desse filme por pouco não se anula ante a armadilha de um roteiro maldoso, que tem no maniqueísmo sua maior forma de expressão. Até o idioma alemão é tratado de forma absolutamente desrespeitosa a certa altura, na fala carregada de ignorância e ódio de um dos soldados do Capitão John Miller, o herói-mor e um dos pouquíssimos personagens a demonstrar um traço de humanidade de forma convincente.

Esse tipo de abordagem em filmes de guerra tornou-se quase um lugar-comum nas produções norte-americanas mais recentes, notadamente naquelas de apelo comercial mais forte, como U-571 ou Falcão negro em perigo, não obstante haver outros na contramão destes, como o desconhecido Santos ou soldados. Problema maior mesmo é o perigo que representa essa forma míope de ver o mundo, já que o cinema, enquanto meio de comunicação de massa, também é um formador de opiniões e de construção de conhecimento, ainda que pueril ou mesmo errôneo em alguns casos. Em tempo: as cenas do desembarque das tropas aliadas nas praias da Normandia podem ser consideradas como umas das mais espetaculares da história do cinema.

Malcolm X

Poucos filmes conseguem retratar tão fielmente um período crítico da história americana como este Malcolm X. Brilhantemente dirigido por Spike Lee, o roteiro é uma adaptação correta da autobiografia homônima, escrita por Alex Haley, a partir de relatos do próprio Malcolm e de parte do acervo do autor. Nele, descortina-se um dos cenários mais conturbados dos Estados Unidos, época em que o segregacionismo tomava contornos alarmantes, dando vazão ao aparecimento de mártires, como Martin Luther King e o próprio Malcolm Little, este favorável à luta armada e mais tarde convertido ao islamismo, trocando o nome para Malcolm X (o X, acreditava ele, representava o desconhecido, pois suas raízes haviam se perdido quando da ida de seus parentes mais distantes para os EUA). A adaptação fílmica de Lee apresenta perfeita reconstituição de época, alem de contar com um competente elenco de apoio, no qual está o próprio diretor. Não aborda, contudo, a importante aproximação entre Malcolm e o boxeador Cassius Clay (Muhammad Ali).

Apresentando características de um romance de formação, a trajetória do personagem principal de Malcolm X remete a outras personalidades da história do século XX, como Ernesto Che Guevara, que passou de um simples estudante de medicina e jovem alienado a líder político e revolucionário de notoriedade mundial (ver Diários de motocicleta). Aqui, tem-se um homem que recebia o apelido de Red, pelos seus cabelos vermelhos e pela sua fama de homem perigoso, o que motivou alguns a chamá-lo de Satã, passando a um importante e influente líder religioso.

Denzel Washington – numa atuação bastante elogiada por crítica e público – conduz o personagem com paixão, retratando sua infância pobre no Harlem, passando pelos tempos de vadiagem e envolvimento com traficantes, foras-da-lei e bandidos, fato que o fez ser preso e condenado por roubo. Na prisão, Malcolm, um viciado com o qual ninguém se importava, converte-se ao islamismo por Baines (Albert Hall, de Susie e os Baker Boys), o mesmo homem que, anos depois, articulará, juntamente com a Nação do Islam, seu assassinato, num conflito de interesses em que até a CIA esteve envolvida. Impressiona a atuação de Denzel na segunda parte do filme, momento em que Malcolm, já saído da prisão, parte para a pregação nas ruas e nos templos, demonstrando um proselitismo muitas vezes radical em nome de Elijah Muhammad, figura que os muçulmanos negros acreditavam ser um enviado de Alá.

Spike Lee retorna com a sua feroz crítica social, marca indelével desse diretor que fez da luta a favor dos direitos dos negros americanos e temas sobre o racismo o principal fio condutor de alguns de seus filmes, como Febre da Selva (1988) e Faça a Coisa Certa (1989). Aqui, também, existe o toque pessoal do diretor, que descortina sua oposição ante certos preceitos encontrados na sociedade americana ainda nos dias de hoje, em que a fome de poucos impede muitos de comerem o pão, deixando um grande sanduíche de merda no qual esses poucos são obrigados a dar uma mordida.