quinta-feira, 2 de abril de 2009

O gângster

Uma quase obra-prima

É possível um diretor realizar um filme quase perfeito, colocando tudo a perder nos 20 minutos finais? Depois de assistir a O gângster temos a convicção de que sim, isso é possível.

O gângster foi feito para dar certo: elenco de peso, direção segura de Ridley Scott, reconstituição de época perfeita, trilha sonora com clássicos inesquecíveis da Motown e Denzel Washington inspiradíssimo na construção de um Frank Lucas complexo, que apresenta uma ambiguidade que o torna um homem de mil faces, vacilando uma vez mais entre um instinto assassino e o de um homem que ora na mesa de jantar com a família ou quando é confrontado pela mãe, a veterana Ruby Dee em elogiada composição. O negro pobre do Harlem, que vê sua soberania nascer depois da morte de seu mentor, lança mão de um modus operandi ousado – mas ao mesmo tempo muito discreto –, até então restrito apenas às “famílias” de mafiosos italianos, comercializando uma droga que chegava a 100% de pureza, utilizando contatos com militares em plena Guerra do Vietnã e cultivando amizades com várias estrelas do mundo do esporte, entre os quais o ex-boxeador Joe Louis. A dualidade do personagem é um dos pilares de sustentação de uma narrativa que se vale mais da força das suas atuações do que da relevância do seu argumento.

Russel Crowe, com seu detetive acima de qualquer suborno, Richie, ao mesmo tempo em que se afasta de Lucas pela sua conduta exemplar, mostra-se incapaz de ser um homem feliz na sua vida privada. Crowe empresta verossimilhança na construção do personagem, por exemplo, quando achincalha seu parceiro ao salvá-lo de um possível linchamento ou quando se nega a embolsar parte do 1 milhão de dólares que apreendera, fato que o torna uma ameaça a policiais corruptos como o sujo detetive Trupo, interpretado por um não menos inspirado Josh Brolin.

A narrativa, não obstante ser bem engendrada, derrapa exatamente quando começa o embate direto entre as figuras do traficante e do policial, depois de mais de duas horas de filme. Na medida em que se aproximam, começa um tipo de amizade que fica difícil conceber, depois de o policial passar mais da metade da história sem ao menos conhecer o bandido e, quando o conhece, descobrir que pelas mãos daquele homem milhares de quilos da droga eram despejados em solo americano, ceifando vidas e alastrando um ciclo de violência nas ruas de Nova York. Soa artificial e falso não o fato de Lucas colaborar com a polícia, mas sim o de Richie criar uma aproximação tão direta com o traficante a ponto de abandonar a força para se dedicar à advocacia e ter ninguém mais, ninguém menos que Frank Lucas como seu primeiro cliente! Ok, o filme é baseado em fatos reais, mas poderia ter sido dedicado um tempo maior para que essa tal amizade parecesse mais aceitável aos olhos de quem a recebe, e não feita “às pressas” como de fato foi concebida. Não fosse por essa mancada do roteiro, O gângster poderia ser uma obra-prima, não apenas um filme excelente.