segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Vick Cristina Barcelona

Woody Allen volta a acertar

Em dado momento de Vick Cristina Barcelona, Juan Antonio, o personagem de Javier Bardem, revela para Vick que o pai dele é um excelente poeta, mas se recusa a publicar seus poemas porque o mundo não os merece. Excelente ponto de partida para compreender o próprio Juan, um homem que parece em extinção atualmente. É interessante analisar esse personagem contrapondo-o ao noivo de Vick, um yuppie, exemplo clássico de pessoa que se esquece de exercitar o lado direito do cérebro, e ao marido de Judy, que questiona Vick sobre a dissertação de mestrado dela. “O que você vai fazer com isso?”; um questionamento extremamente grosseiro. Na míope visão de mundo dele, se não traz benefício financeiro, que vantagem pode trazer? A insatisfação da esposa tem lugar. O macho tosco e insensível, aqui, é de certa forma punido.

Esse diferencial percebido no pintor muitas vezes é interpretado por alguns homens como “viadagem”, mas é algo do qual várias mulheres sentem falta, uma sensibilidade masculina que diferencia um homem dos outros. Cristina, num primeiro momento, é mais astuta e logo percebe que Juan tem esse lado diferente. Vick, por seu turno, talvez assustada com a abordagem inicial agressiva do artista, resiste num primeiro momento, mas depois percebe o mesmo que a amiga, de supetão, percebera. Estava faltando algo no relacionamento dela e ela não tinha ideia do que era; foi descobrir na viagem a Oviedo. Inaugura-se, para ela, um momento de total insegurança com relação aos seus sentimentos e a descoberta de algo que até então nem imaginaria que pudesse ser despertado.

Porém o mesmo diferencial que faz de Juan Antonio uma preciosidade torna-o uma opção alternativa demais, mesmo para a pretensamente liberal Cristina. O retorno da ex-esposa desequilibrada Maria Elena à casa do pintor vai descortinar um lado da personalidade deles, um amor totalmente irracional e por isso mesmo intenso, que pode soar como uma quase afronta aos valores americanos e por extensão aos de Cristina, estabelecendo aí um dilema para ela. O fascínio, entretanto, faz a americana adotar o espírito transgressor de Juan e de Maria e mergulhar num mundo colorido e voltar a atenção a um talento talvez adormecido, talvez inexistente.

Vick Cristina Barcelona é um filme para refletir. Uma reflexão fundada não em escapismos fáceis, mas em elucubrações que tornam as relações humanas complexas, como de fato são. Longe de um tratamento superficial dos sentimentos dos personagens, Allen, como fez em Match Point, consegue extrair o máximo do elenco, mesmo de uma atriz limitadíssima como Scarlett Johansson, em atuações tridimensionais. Ressalva há que se fazer apenas à narração em off, que se mostra redundante em vários momentos e desfaz a magia de algumas sequências que já se autoexplicam.

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