sexta-feira, 6 de março de 2009

Cinema: dos primórdios ao diálogo com a literatura

O cinema, entre a invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumiére e os dias de hoje, apresentou especificidades que o tornaram uma arte autônoma, capaz de influenciar e dialogar com outras artes, entre elas com a literatura. Depois do início com um registro puramente documental, que não tinha nenhuma preocupação estética nem antropológica, o cinema tem um primeiro uso artístico por meio dos irmãos Auguste Marie e Louis Lumiére, com o filme A chegada do trem na estação, realizado em 1896. O filme produziu pela primeira vez um efeito catártico, saindo da mera documentação e inaugurando uma nova concepção de cinema. Com Viagem à lua, de 1902, Georges Méliès utiliza a trucagem, sopreposição de imagens jamais vista, a qual influenciará outros cineastas, como Einseistein, autor que teorizaria posteriormente a montagem no cinema e a utilizaria de forma absolutamente inovadora em O encouraçado Potemkin, de 1925.

Entretanto, a primeira aproximação entre cinema e literatura será com D. W. Griffith no seu O nascimento de uma nação, de 1915, com o autor buscando um modelo de narrativa na literatura tradicional do século XIX. Segue-se um momento de criatividade no cinema com o surgimento de movimentos como o expressionismo alemão e o surrealismo.
A Nouvelle Vague é um movimento de vanguarda, lançado em 1958, relevante nessa trajetória do firmamento do cinema como arte autônoma, pois propõe um momento de ruptura com um cinema tradicional, que se firma notadamente nos Estados Unidos, denominado cinema clássico, o qual utiliza uma estrutura linear, com eventos que se autoexplicam. Não mais há a preocupação de representar o real, mas sim uma tentativa se instaurar um modo metalinguístico de fazer cinema.

Apesar de os preceitos da Nouvelle Vague já se encontrarem cristalizados numa certa literatura, o movimento será importante ao propor uma política de autores, permitindo assim maior liberdade criativa e diminuindo um pouco o descompasso entre literatura e cinema, já que este se baseou num modo tradicional daquela num primeiro momento, não podendo, o cinema, em dado momento de sua história, acompanhar alguns movimentos de vanguarda da literatura. Surge, então, o cinema autoral, trazendo complexidade a uma linguagem que até então se resumia ao modelo tradicional, engessado pela época da política dos grandes estúdios.

Todo esse conjunto de avanços utilizados nos filmes, facilitado em parte pelos avanços tecnológicos percebidos na primeira metade do século XX, propiciou que a arte cinematográfica desenvolvesse características próprias, como o uso singular da montagem, a velocidade (apreendendo a velocidade típica do século XX), a simultaneidade, consolidando-se como uma arte espacial. Autores da literatura, então, percebendo tal desenvolvimento, foram se apropriando de aspectos próprios do cinema, como Oswald de Andrade, no poema Hípica, no qual se pode perceber aspectos como descontinuidade, utilização de recortes e movimento. O conto Todos os Fogos, o Fogo, de Julio Cortazar, de 1964, faz uso de um tipo de encadeamento da história inspirado na montagem do cinema, além de trazer claras referências a uma luta de gladiadores realizada por Stanley Kubrick no filme Spartacus, de 1960, o que sinaliza a intertextualidade em obras literárias.

Depreende-se, portanto, que, devido aos elementos próprios os quais o cinema desenvolveu ao longo da inovação de seus realizadores e fundamentação de teóricos, as relações mantidas notadamente com a literatura sofreram grande impacto. Se num primeiro momento o cinema foi buscar na literatura tradicional um modelo de narrativa, será a literatura posteriormente a buscar no cinema um meio de se expressar, afetando o modus operandi desta, apesar de a arte cinematográfica continuar buscando, por vezes, na literatura modos de se contar uma história.

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