quinta-feira, 5 de março de 2009

No calor da noite

O grande vencedor do Oscar de 1967

No calor da noite começa com uma grande ironia: na chegada do detetive Virgill Tibbs (Sidney Poitier) numa estação de trem, é possível ler um aviso que diz: “você está chegando na cidade de Sparta, seja bem-vindo”. Os eventos que se sucedem irão demonstrar o quão inadequado pode ser um cartaz de boas-vindas.

Em uma cidade em que não acontece quase nada, o policial Wood faz uma ronda noturna de rotina, quando é surpreendido pela presença de um homem caído no meio da rua, aparentemente desmaiado. O pior se confirma segundos depois, no momento em que o policial percebe que o tal homem está morto; e se complica ainda mais quando o médico vai ao local e confirma a identidade dele: trata-se de Colbert, um engenheiro que viera de Chicago construir uma fábrica, empreendimento mais importante que a cidade de Sparta jamais teve. Segue-se a perseguição imediata ao assassino, momento no qual o policial Wood encontra o detetive Virgill na estação, esperando o trem para voltar para casa (havia ido visitar a mãe dele). Um negro, às 4 da manhã, em uma estação de trem, com bastante dinheiro no bolso? Só pode ser o assassino, calcula de forma quase automática o policial Wood. Conduzido à delegacia, Virgill é interrogado pelo chefe de polícia, o estourado Gillespie (Rod Steiger), que logo lhe afirma: “se você contar como matou o senhor Colbert, se sentirá muito melhor, garoto”. Qual não foi a surpresa do chefe de polícia quando Tibbs revela que é um policial de passagem pela cidade? Mas situação mais constrangedora ainda ele passa quando o chefe de Tibbs, por telefone, ordena o detetive que ajude os policiais de Sparta na investigação do assassinato, já que ele é “seu melhor perito em homicídios”.

A incompetência da polícia de Sparta – revelada por várias situações contrangedoras que vão de prisões sem provas suficientes e policiais notadamente estúpidos até um portãozinho que não abre – contrasta com a capacidade de Tibbs em solucionar um caso que, certamente, colocaria o homem errado atrás das grades. Jamais um negro ousara tanto naquela cidade mergulhada, talvez por razões históricas, num sentimento racista que se estende a todos. Mas Tibbs, posteriormente, acaba mostrando também seu lado negro (com perdão do trocadilho cretino), ao desejar, nas suas palavras, “arrancar aquele chefão da sua colina”, referindo-se ao homem branco mais poderoso da cidade e principal suspeito do crime. “Nossa, você é igual a todos nós”, dispara o chefe de polícia Gillespie a Tibbs, colocando-o no mesmo patamar mesquinho da maioria dos moradores de Sparta. À medida que a investigação toma corpo, entretanto, os dois policiais passam a se respeitar mais, descobrindo qualidades um no outro: Gillespie reconhecendo a inteligência de um homem que, a princípio, teria condições apenas de trabalhar nos campos de algodão, como todos os negros da sua cidade, enquanto Tibbs percebe o profissionalismo e a dedicação do chefe de polícia.

Pontuado por diálogos afiados, que dizem muito de seus personagens, e por uma trilha sonora blackspoitation de Quincy Jones (que confere as doses de ação e suspense na medida certa), o filme não se furta a colocar o dedo na ferida, mas não usa o mote do racismo de um modo panfletário. O preconceito corre como pano de fundo na solução de um caso de assassinato narrado com exemplar eficiência pelo roteiro de Stirling Silliphant, e com direção segura de Norman Jewinson, unindo no mesmo produto qualidade cinematográfica e crítica social. O grande vencedor do Oscar de 1967 é item obrigatório na filmoteca de qualquer cinéfilo.

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